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Uma heroína da resistência francesa contra a ocupação nazista morreu no último domingo, 3, aos 103 anos, em Épernay, no norte da França.
Filha caçula entre sete irmãos, Yvette Lundy trabalhava como professora e secretária da Câmara Municipal da cidade Gionges quando a França foi ocupada pela Alemanha nazista, entre 1940-1944.
Decidida a ajudar judeus e demais perseguidos pela Gestapo a escapar, Yvette entrou para uma rede da resistência chamada Possum. Ela se tornou uma peça fundamental da rede, elaborando e fornecendo documentos falsos aos perseguidos e enviando-os para a fazenda de seu irmão, Georges. Em uma ocasião, ela descreveu sua atuação como uma “trapaça honesta”.
Yvette também fornecia abrigo para integrantes da França Livre – movimento criado pelo governo no exílio, liderado pelo general Charles de Gaulle, que lutava contra o jugo nazista na França.
Em junho de 1944, aos 28 anos, Yvette foi detida pela Gestapo, enquanto dava uma de suas aulas. Ela foi interrogada e deportada no mês seguinte. Yvette passou por vários campos de concentração no sudoeste alemão, até ser enviada para Ravensbrück, a 80 km ao norte de Berlim. O campo era reservado para mulheres e crianças. Ela foi a prisioneira número 47.360, dos 130 mil que passaram pelo local. Meses depois, ela foi transferida para o campo de Buchenwald.
Três, dos sete irmãos de Yvette, também foram presos pela Gestapo e enviados para campos de concentração na Alemanha: sua irmã Berthe e seus irmãos Lucien e Georges – o dono da fazenda para onde Yvette enviava os perseguidos. Berthe e Lucien sobreviveram ao período da guerra; Georges morreu em 1945, no campo de Auschwitz-Birkenau.
Yvette foi libertada em abril de 1945 e retornou para a França desorientada e afetada demais para falar sobre a experiência. Ela somente abordou o assunto em 1959, quando começou a passar por escolas dando seu testemunho sobre os horrores que presenciou nos campos de concentração. Em 2012, ela publicou o livro “Le fil de l’araignée” (A teia da aranha, em tradução livre).
Ela costumava recordar o momento em que teve de se despir pela primeira vez para revista diante de agentes da SS. “O corpo está nu e o cérebro, de repente, fica em farrapos. Você se sente um buraco, um buraco cheio de vazio. E se olhar a sua volta vê mais vazio”.
Em outra ocasião, ela relatou: “É outro mundo. Seres famintos, com corpos emagrecidos, olhares vazios, cabeças raspadas, se arrastando em farrapos. Em poucos dias, estaremos como eles. Passamos pela revista e deixamos tudo: joias, roupas, remédios, óculos, sapatos. Então, havia o banho coletivo e uma ducha de desinfetante. Vestíamos farrapos quando acabavam os trajes listrados. Éramos irreconhecíveis de cabaças raspadas”.
Questionada em seu 100º aniversário sobre que conselho guiou sua vida, ela respondeu: “Pergunte sempre: para onde estamos indo; com quem; o que vamos fazer? Todos têm um dever de responsabilidade, não importa o quão jovem seja”.
O prefeito de Épernay, Franck Leroy, lamentou a morte de Yvette Lundy, a quem classificou como “um exemplo” e como “a grande dama da cidade”.
“Mesmo ela não gostando de ser chamada assim, é o que ela era com sua história como membro da resistência, como pessoa deportada e sua incrível contribuição para o serviço público e a missão de manter viva a memória [dos perseguidos e presos em campos de concentração]. Ela tinha também um olhar crítico sobre a guerra e sobretudo sobre a reconciliação franco-alemã, que ela considerava extremamente importante”, disse Leroy.
A história de Yvette Lundy serviu de inspiração para uma personagem do filme francês Korkoro (2009), que narra a fuga de uma família de ciganos das forças nazistas. Em 2017, Yvette recebeu o título de Grande Oficial da Legião de Honra, uma das maiores condecorações civis da França.
Fontes:
The Guardian-Yvette Lundy, French resistance heroine, dies aged 103