O corpo embalsamado de Mao Tsé-tung, o homem responsável por unificar a China, coletivizar propriedades e criar o comunismo chinês, descansa há mais de 30 anos em um imponente mausoléu cravado no coração da praça mais famosa de Pequim, Tiananmen Square, hoje cercada por franquias de restaurantes fast-food, lojas de grife e outros emblemas do capitalismo selvagem. A poucos metros do mausoléu, depara-se com comerciantes vendendo isqueiros, canetas e outras lembrancinhas para consumo decoradas com retratos de Mao, “o sol vermelho que aquece o coração” do monolítico Partido Comunista da China (PCC).
À primeira vista, o regime comunista e a economia capitalista do país mais populoso do mundo se contrapõem como Jekyll and Hyde. Explicar como essa aparente contradição vem afetando a sociedade chinesa foi o desafio do jornalista Gilberto Scofield, Jr., ex-correspondente da Globo em Pequim, em recente palestra ministrada na Casa do Saber – Rio.
“Não tem mais nada de comunista na China. Tudo funciona na base da compra e venda. Só que tem o Estado que controla tudo. A China chama isso de ‘socialismo com características chinesas’, uma espécie de aprofundamento do processo comunista iniciado por Mao. Não se fala em ruptura ou capitalismo. Acho que no fundo, para os chineses, não importa se o gato é branco ou preto, contanto que ele pegue o rato”, disse Scofield.
Nas últimas três décadas, a vida na China melhorou muito, com a redução da pobreza nas regiões rurais do interior do país e o aumento da taxa de alfabetização e da expectativa de vida. Entretanto, o Partido ainda rege sua população com punho de ferro, afirmou Scofield. É como se o poderoso e monolítico partido central da China tivesse feito um pacto com seu povo. Enquanto ele, governo, se empenha em melhorar a qualidade de vida das pessoas e o acesso ao consumo, gerando empregos, não será julgado por seu povo, que aceitará cegamente o controle exercido pelo partido.
Apesar da abertura do mercado, não existe vontade política ou uma estrutura dentro do PCC para desenvolver mudanças democráticas. A emergência para que se crie um sistema multipartidário na China teria que nascer do ventre do próprio partido, o que é improvável, pois culminaria num exercício de auto-flagelação. O que a China mostra é que não há nada na lógica das reformas econômicas que diga que elas necessariamente conduzem à liberação política. Não é correto assumir que uma coisa leva à outra.
Veja abaixo algumas das curiosidades sobre a China levantadas por Scofield durante sua palestra na Casa do Saber:
O conceito de Pátria Mãe
A China é uma civilização de pelo menos 4 mil anos, e sua população sabe muito bem disso. Todo chinezinho aprende na escola que seu país já existia quando o Ocidente chegou e se estabeleceu. Preservar o orgulho do seu passado de grandeza, das grandes invenções (bússola, pólvora e papel), é uma preocupação grande dos chineses até hoje.
Língua
Muitos ocidentais acham que precisam aprender a falar chinês, já que a China ultrapassou os EUA como a maior economia do mundo e existem mais de 1,3 bilhão de chineses espalhados pelo mundo. O que ignoram é que hoje existem 300 milhões de chineses que estudam ou falam inglês. Ou seja, tem mais chinês falando e aprendendo inglês do que toda a população dos EUA.
O chinês é considerado alfabetizado quando ele domina 3 mil caracteres. A maioria da população fala 7 mil, e a língua tem, ao todo, 50 mil caracteres.
Os caracteres chineses nasceram do que eles representavam visualmente. A pessoa era um desenho de pessoa, uma mulher idem, o peixe parecia um peixe, o sol uma bolinha, etc. Depois, os caracteres foram simplificados. Hoje eles são muito mais sons do que ideias. As palavras “mãe” e “cavalo” têm o mesmo caractere, portanto, o mesmo som.
“Já cometi gafes horrorosas com estes caracteres. É obvio que eles sabem que você é estrangeiro e não sabe falar direito, mas mesmo assim, pega mal perguntar ‘Como vai a sua égua?’ Ninguém gosta. Já passei 100 vezes por isso”, brincou Scofield.
Hoje existem dois sistemas de romanização dos caracteres: Pinyin e Wade-Giles. O Pinyin foi criado pelo governo e reconhecido pela ONU em 1979.
Choques culturais na escrita:
O domínio do chinês escrito, da caligrafia, é uma forma de arte. As letras fazem uma dança cuja coreografia é sempre traçada da esquerda para a direita, de baixo para cima. Em contrapartida, a língua chinesa não tem muita sofisticação, você tem que pegar a ideia do autor nas frases. A mesma palavra pode ser adjetivo, advérbio, etc. É preciso perceber o sentido da frase. Exemplos: Em chinês, Vaca + liquido = leite. Vaca + carne = filé.
Investimentos na China
O governo chinês exige que empresas estrangeiras interessadas em investir na China transfiram tecnologia para o país e que mantenham sócios chineses. Montadoras só entram no país em parceria com empresas chinesas, por exemplo. O filão das empresas estrangeiras agora é ir pra lá e produzir para os mais de 1,3 bilhão de consumidores chineses, em vez de ir apenas atrás da mão de obra barata.
Até a virada do milênio, ninguém podia ser dono de um carro na China. Em 2001, a Organização Mundial do Comércio (OMC) pressionou, e o governo chinês finalmente autorizou que as pessoas comprassem carros em seu nome. Hoje, apenas nove anos depois, a China é o segundo maior mercado consumidor de automóveis, além de ser a maior produtora mundial.
Política do filho único
A política chinesa de controle da natalidade foi instaurada no fim da década de 70. Até então, Mao Tsé-tung achava que uma nação poderosa era uma nação populosa. O programa deu certo no controle da provável explosão populacional chinesa, mas provocou um desequilíbrio de gênero. Hoje há muito mais homens que mulheres na China. Mantida a tendência atual, em algumas dezenas de anos, o país será obrigado a importar mulheres para crescer. Segundo a ONG International Planned Parenthood Federation, 13 milhões de abortos são feitos anualmente na China, 70% dos quais são de fetos de meninas.
Religião, o ópio do povo
Para entrar no Partido Comunista da China é preciso declarar-se ateu. Segundo pesquisa do próprio governo (e eles são muito ruins de estatística), 31,4% da população se diz religiosa. O governo chinês reconhece oficialmente apenas cinco religiões: budismo, catolicismo, taoísmo, protestanismo e islamismo. Todas recebem o nome de religiões “patrióticas”.
Cachorro não é comida
O hábito de comer cachorro é restrito a uma pequena região ao sul do país, na província de Guangdong. Na Coreia, o hábito é bem mais popular. Chineses têm hoje 150 milhões de cães e gastam com eles US$ 2 bilhões por ano
Superstições
Elevadores na China não costumam ter os números 4º e 14º porque foneticamente lembram a morte. Também não têm o 13º porque os estrangeiros acham que é um número de azar. Celulares que têm muitos quatros são mais baratos. O número 8 (ba) se parece com fa (prosperidade), então números com muitos oitos são caríssimos.
Pirataria
A produção de bens falsificados na China não é apenas o legado do lançamento de políticas de livre mercado três décadas atrás. A prática é motivada por comerciantes que se aproveitam de legislações fracas e de uma cultura corporativa conivente com a corrupção. Até 1986, não havia lei que protegesse marcas e patentes no país. Até 2002, a lei só protegia estrangeiros. Multinacionais europeias estimam uma perda de US$ 25 bilhões por ano com pirataria chinesa. Japoneses perdem US$ 34 bilhões.
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Só fazem porcaria…