‘ancestrais em profunda alegria’, diz babalorixá
O reconhecimento da Jurema Sagrada como patrimônio imaterial da Paraíba, na quarta-feira (16), foi comemorado por seguidores e pesquisadores da religião. Eriberto de Carvalho Ribeiro, Pai Beto de Xangô, presidente da Federação de Umbanda, Candomblé e Jurema (FCPumcanju) de João Pessoa, destacou a memória dos antepassados que sofreram com a intolerância religiosa.
“Os nossos ancestrais, os nossos antepassados devem estar em profunda alegria, porque em pleno século XXI, as pessoas ainda julgam muito pela crença, pela cor, pela raça, pela orientação sexual. E viver esses momentos de evolução, de respaldo, de reconhecimento da nossa religião como patrimônio imaterial é gratificante”.
A iniciativa, de autoria da deputada estadual Cida Ramos (PT), busca valorizar uma das expressões religiosas mais tradicionais do Nordeste. Segundo a parlamentar, a proposta tem como objetivo promover o respeito e a preservação da Jurema Sagrada, prática religiosa presente em comunidades tradicionais, especialmente nas cidades de Alhandra e Conde, no Litoral Sul paraibano.
Para a elaboração do projeto de lei, a deputada Cida Ramos (PT) se reuniu, no dia 21 de janeiro, com representantes da FCPumcanju. Pai Beto, que também esteve presente nessa reunião, considera o fato “um marco histórico no estado da Paraíba, no que se refere aos praticantes das religiões afro-indígenas brasileiras, especificamente no tocante à Jurema Santa e Sagrada, uma religião pouco compreendida, discriminada”.
A Jurema do Acais
A Jurema Sagrada é uma religião afro-indígena brasileira, com fortes raízes no Nordeste. Alhandra, cidade localizada 40 km de João Pessoa, é conhecida nacionalmente como o berço da religião. Isso por causa de Maria do Acais, mulher de origem indígena, cuja fama de juremeira ultrapassou os limites do estado. Desde 2015, as terras do Sítio do Acais, local onde a mestra viveu e praticou a religião, são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep).
A religião, que se estrutura a partir da relação espiritual com a árvore jurema, traz influência de tradições indígenas, afro-brasileiras e do catolicismo popular. Para os juremeiros, a jurema, especialmente a jurema preta, é considerada uma planta sagrada, cujas folhas e cascas são utilizadas como fumo, em banhos energéticos e na bebida que é considerada um caminho para a conexão com os ancestrais.
A raiz indígena da Jurema Sagrada
O primeiro registro conhecido do uso ritualístico da jurema é na Paraíba, no século XVIII, na região do Brejo, como aponta o pesquisador Estevão Palitot. Os indígenas da região, que era habitada pelos Canindé e Xucurú, chegaram a ser denunciados ao governador de Pernambuco, capitania da qual o estado da Paraíba fazia parte.
“Os padres carmelitas, que eram responsáveis pelo aldeamento, ficaram muito escandalizados e preocupados porque o culto da jurema enfatizava um retorno ou uma permanência dos vínculos espirituais dos indígenas com as suas tradições ancestrais. E isso preocupava demais os padres, que tinham a obrigação de converter os indígenas ao catolicismo. Então isso provocou uma reação muito forte, foi feita uma denúncia ao Bispo de Pernambuco”.
Após a denúncia, tropas foram enviadas para o aldeamento e houve truculência contra os indígenas. “mandaram tropas para a aldeia, e aí a situação degringolou, porque havia muito medo dos indígenas abandonarem o aldeamento, deles não quererem ficar mais sob o domínio colonial, e houve muita violência, inclusive”, acrescentou Estevão Palitot.
Mesmo com o histórico de violência, o culto em torno da jurema continuou no estado da Paraíba entre os indígenas de povos diversos, como “Corema, Panati, Ariú, Pega, no aldeamento de Pilar dos Kariri”, segundo o pesquisador. Com o passar do tempo, elementos dos cultos afro-brasileiros, bem como do sincretismo católico e de outras influências, foram unidos ao culto que por vezes é chamado de “Catimbó”.
“Então a Jurema, quando ela aparece no registro histórico, ela já aparece com a marca dos povos indígenas e também com a marca da luta contracolonial e do diálogo com os povos negros, né? E da desconstrução e reconstrução do catolicismo a partir da resistência indígena de resistência ao colonialismo”, comentou o antropólogo.
Estevão Palitot ressalta a importância da Jurema Sagrada ser considerada patrimônio imaterial da Paraíba, diante de séculos de perseguições: “a Jurema passa séculos na Paraíba, sofrendo repressão, sofrendo ameaças, sofrendo discriminação, e hoje ela é devidamente reconhecida como patrimônio cultural e imaterial do nosso estado, como uma marca de cultura e de identidade paraibana e como uma marca da resistência dos povos afro-ameríndios aqui na Paraíba”, concluiu.