Dias Perfeitos é pra quem não tem medo de ver conteúdos ultraviolentos
Não li o best-seller Dias Perfeitos, de Raphael Montes, já lançado em mais de 20 países, mas dizem que é daqueles livros que você pega e só larga quando termina.
Vi a série Dias Perfeitos assim. Quatro episódios numa noite, os outros quatro, no dia seguinte. A trama lhe sequestra como Téo sequestra Clarice. É preciso se libertar.
Raphael Montes é um escritor brasileiro que vai fazer 35 anos agora em setembro. Ele tinha 24 anos quando Dias Perfeitos, seu segundo livro, foi lançado.
A série de oito episódios está disponível no Globoplay. É protagonizada por Jaffar Bambirra e Julia Dalavia. A direção é de Joana Jabace. A criação, de Claudia Jouvin.
Jaffar Bambirra é Téo, um rapaz estranho e introspectivo, e Julia Dalavia é Clarice, de perfil oposto ao dele. Téo se apaixona, não é correspondido e sequestra a moça.
O Colecionador, de John Fowles, é um livro de 1963. Virou filme em 1965, dirigido pelo veterano William Wyler e protagonizado por Terence Stamp e Sammantha Eggar.
Terence Stamp é Freddie, um tímido colecionador de borboletas. Sammantha Eggar é Miranda, uma estudante de arte. Apaixonado por ela, ele a sequestra.
Ata-me! é um filme que Pedro Almodóvar dirigiu em 1990. Antonio Banderas é Ricky, que acaba de sair de um hospital psiquiátrico. Victoria Abril é Marina Osorio, uma atriz.
Ricky e Marina Osorio tiveram um breve encontro no passado, e ele, ao sair do tratamento psiquiátrico, decide aprisionar a atriz na casa dela.
Ata-me! me trouxe a lembrança de O Colecionador. Dias Perfeitos me traz a lembrança de O Colecionador e de Ata-me!. São tão diferentes quanto são parecidos.
O que Ata-me! tem de O Colecionador não é defeito do filme de Pedro Almodóvar. O que Dias Perfeitos tem dos dois também não é defeito nem do livro nem da série.
O Grande Golpe, de 1956, é o terceiro longa-metragem de Stanley Kubrick. Sterling Hayden é Johnny Clay, um ex-presidiário que planeja um roubo milionário.
Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, de 2007, é o último filme de Sidney Lumet. Philip Seymour Hoffman é Andrew, Ethan Hawke é Henry. Os dois irmãos planejam e executam um assalto à joalheria dos pais.
O Grande Golpe e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto são grandes filmes. Os dois têm em comum, além do tema do roubo, o fato de que suas histórias são narradas a partir de mais de um ponto de vista.
Dias Perfeitos me remeteu a esses filmes de Stanley Kubrick e Sidney Lumet. Diferente do livro, que conta a história a partir do ponto de vista de Téo, a série oferece duas visões – a de Téo e a de Clarice – e elas vão se intercalando ao longo da narrativa.
Também não é defeito de Dias Perfeitos lançar mão de um recurso narrativo que não é original. Depois de Kubrick e antes de Lumet, Quentin Tarantino também lançou em Jackie Brown, de 1997. Só que num trecho, e não durante toda a narrativa.
Como os pontos de vista são diferentes, a filmagem deles também é diferente. Mais do que isso, a atuação do elenco – sobretudo dos protagonistas – tem que ser diferente.
Na ótica de Téo, ele e Clarice são mostrados de um jeito. Na visão de Clarice, de outro completamente distinto. Cartelas com os nomes dos protagonistas vão se intercalando sobre um fundo vermelho, separando as duas visões.
Jaffar Bambirra, de 27 anos, e Julia Dalavia, também de 27, o fazem com absoluto domínio da arte de atuar, construindo seus personagens com admirável entrega. São notáveis talentos da nova geração de atores e atrizes do Brasil.
A diretora Joana Jabace já atuou na direção de várias novelas e séries da TV Globo. Em Dias Perfeitos, ela lida com uma personagem que é estuprada, experiência dolorosa da qual Joana também foi vítima e faz questão de tornar pública.
A violência do homem contra a mulher é tema tristemente atual e está no terreno da ficção porque vem da vida real. Em Dias Perfeitos, essa violência atinge seu paroxismo no nível da ficção, mas, infelizmente, é assim mesmo que acontece na vida real.
Dias Perfeitos pode ser enquadrado como um thriller de suspense e também tem alguns elementos das histórias de terror. É uma série muito bem realizada, de grande impacto e não deve ser vista por quem tem medo de consumir conteúdos ultraviolentos.