Cannes 2022: O burro EO chama atenção no festival de cinema – POA SHOW
Em Cannes, além da almejada Palma de Ouro, ou a Palm D’Or, todos os anos é entregue a Palm Dog, um prêmio bem-humorado dado ao melhor cachorro em cena nos da seleção. Parece brincadeira, mas há anos em que o prêmio é bastante disputado, o que revela que a relação entre o cinema e os animais não é algo raro.
Se a Palm Dog já é tradição, não existe ainda a Palm Cat (reclamação dos gateiros de plantão). E se existisse uma Palm Dunkey, ela certamente iria para o burrinho (ou os vários burrinhos e mulas) de “EO”.
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No total, seis animais (Mela, Hola, Tako, Marietta, Ettore e Rocco) interpretaram EO no dirigido pelo veterano Jerzy Skolimowski, cineasta polonês que, aos 84 anos, ainda prova que é possível sempre fugir do comodismo criativo.
Na trama, EO vive relativamente bem em um circo familiar na Polônia, até ser separado de sua cuidadora e melhor amiga Kasandra (a ótima Sandra Dryzmalska). Uma lei que proíbe animais em circo entrou em vigor e EO não pode mais levar a vida que sempre teve.
É neste momento que entramos no mundo do simpático, teimoso e expressivo (por incrível que isso possa parecer) asno (na sinopse em inglês, trata-se de um “donkey”, que em português é asno, mas na trama, que nunca se refere diretamente ao animal, EO tanto pode ser um burro, uma mula ou asno). O que importa mesmo é que Skolimowski, com este filme esdrúxulo, tem sido um dos favoritos da crítica até o momento.
Depois de ser separado de sua dona, EO vai parar em um sofisticado estábulo para cavalos de raça, mas foge e começa, então, sua saga de volta para casa. Como sabemos que é voltar para Cassandra que EO quer? Pelos flashbacks, pela atitude e pela ótima montagem do longa, que tem poucos diálogos, mas um trabalho de som impecável.
O fato de “EO” ser até agora um dos filmes tematicamente e formalmente mais ousados de Cannes 2022 não deixa de ser irônico, pois é obra de um senhor de 84 anos, que não veio ao festival e pediu para uma foto dele com o burrinho ser colocada em seu lugar na coletiva de imprensa do filme.
Criar atmosfera, filmar as peripécias de EO de forma não infantilizada, suficientemente dura para falar, no fundo, da forma como tratamos os animais como commodities e não como seres que tornam este mundo um lugar mais suportável é um feito e tanto.
Não há redenção fácil em EO, mas há um olhar carinhoso para o animal. E há, além da beleza estética, com criações de momentos que beiram a videoarte, uma ousadia notável e um objetivo humanista que revelam que são filmes assim que fazem com que Cannes tenha relevância e instigue o e tapetes vermelhos badalados.